Sempre pertenci a uma família de alto nível. Era a menina do papai, isso era facto. Tanto eu como meu irmão éramos descendentes da realeza, então podíamos nos considerar princesa e príncipe, enquanto nosso pai era o rei. Mamãe morreu no nosso parto, mas as empregadas do castelo onde vivíamos sempre nos contavam histórias sobre ela. Como era atenciosa, simpática com todos, amorosa. Quem me dera ter conhecido a mamãe, ela parecia incrível...
Mas esse não é o foco, é? Eu sempre fui bastante mimada, já que era a única garota naquela pequena família de três pessoas. Meu pai sempre falava para Mitsuaki me proteger, não importa o que acontecesse, e ele sempre fazia isso. Eu e ele éramos praticamente idênticos, já que éramos gêmeos. Talvez tenha sido por conta de sermos gêmeos que a mamãe morreu. Não deve ter suportado dar a luz duas crianças...
De qualquer das formas, eu sempre fui a mais mimada, mais cuidada daquele castelo, então acabei me tornando numa pessoa bastante exigente, mesmo ainda hoje. Eu não era como minha mãe: não era simpática com todos, muito menos amorosa. Eu não me importava muito com quem me rodeava. Quem me importou sempre foi meu pai e meu irmão, o resto é resto.
Então quando papai adoeceu... Foi um choque. Eu não estava acreditando que papai podia morrer a qualquer momento, isso não podia estar acontecendo. Era quem supostamente iria cuidar de nós até ficarmos mais velhos, e quando tivéssemos idade para tomar a posse dele de governar o reino mas... Nós só tínhamos 12 anos de idade, como era suposto irmos governar um reino, sem mais nem menos? Meu irmão tomou a frente e disse que governaria bem o reino, mas eu não me deixei ficar. Meu orgulho e vontade de ficar na frente também falaram mais alto, mesmo que eu estivesse com medo de tal. Então, tanto eu e meu irmão fomos coroados rei e rainha, mesmos sendo tão novos. Claro que iríamos ser aconselhados até a maioridade, mas mesmo assim, nós teríamos sempre a última palavra, tal como papai.
Ele faleceu umas semanas depois... Foi um dia sombrio para mim. Eu não queria acreditar que o único adulto que tinha ligação com a gente tinha acabado de falecer. Porquê!? Eu não entendia porque nos estavam tirando isso...
"Vai ficar tudo bem, eu estou aqui para te ajudar e cuidar de você, não estou?", mesmo com tais palavras proferidas pelo meu irmão, eu não conseguia parar de pensar no papai. E também... Na mamãe. Eu realmente gostava que a mamãe tivesse sobrevivido, e que o papai tivesse vivido mais tempo.
Tornei-me um pouco mais fria depois desses acontecimentos — mais do que já era. Falava torto para qualquer pessoa que me aparecesse á frente, e não sei como as coisas acabaram desse jeito, mas meu irmão, invés de tomar o lugar de rei, eu acabei fazendo dele um criado, como qualquer outra pessoa dentro daquele castelo.
"Não ligo para isso", repetia em minha mente toda a hora que via ele agir desse jeito. Servindo o chá, me ajudando a escolher a roupa, me levando a locais caso necessário, essas coisas que criados pessoais fazem. Claro que eu não queria que ele agisse assim... Mesmo que quando fosse para decisões importantes, ele tomasse frente comigo, logo depois, ele voltava a agir como se fosse um criado. E eu era orgulhosa demais para simplesmente dizer para ele parar — eu não desgostava daquela atenção que ele me dava, também.
Os anos foram passando, e rapidamente, não precisávamos mais de conselheiros para nos ajudarem a tomar as decisões reais. Tínhamos atingido a maioridade, e demos uma grande festa. Convidamos reis e rainhas, príncipes e princesas, duques e duquesas, de todos os reinos vizinhos, e mais além. Ia ser uma festa cheia de gente. Convidamos mais alguns habitantes do nosso reino, de alto nível claro, para virem também. Tivemos praticamente casa cheia, e foi uma festa fantástica. Eu me diverti imenso, e também... Conheci alguém.
Ele era alto, charmoso, era um príncipe de um reino vizinho. Eu queria ele para mim.
Depois da festa, nos dias seguintes, convidei várias vezes o príncipe para vir nos visitar. Ficamos bastante amigos, e eu realmente estava gostando dele, então faria de tudo para ficar com ele. Pedia sempre ajuda para meu irmão para preparar a hora do chá, almoços e jantares quando o príncipe vinha nos visitar. No entanto, a certa altura, ele parou de nos visitar tão frequentemente. Ele tinha mudado... Ficou um pouco mais distante de mim, mas com meu irmão parecia tudo normal... O problema era eu? O que aconteceu? O que eu tinha feito? Bem... Nada. Eu era perfeita, e ele tinha tudo para gostar de mim também, então porquê? O facto de as visitas dele terem diminuído de uns tempos para lá fez com que eu me questionasse bastante sobre o que tinha acontecido, então, sem o meu irmão saber, saí do castelo e fui até ao reino dele numa carruagem, apenas com um empregado. Ia ser uma surpresa, eu ia fazer-lhe uma surpresa... Mas ele estava acompanhado. Quando vi que ele estava com uma das princesas de um dos reinos vizinhos também, fiquei cheia de raiva.
"Eu tinha visto ele primeiro, então era eu quem deveria ficar com ele.", era o que eu achava na altura. Voltei para o castelo desolada. Meu irmão estranhou eu estar chorando tanto, e quando lhe contei, ele tentou me animar.
"Eu quero que ela morra, que morra! Mata-a!!", eu falava sem parar, entre várias lágrimas que caiam de meus olhos. Foi então que meu irmão ergueu minha cabeça para eu o olhar e assentiu positivamente com a mesma.
"Irei matar ela para você, se esse for seu desejo", eu não estava exatamente pensando direito naquela altura, e não devia ter aceitado a proposta dele. Eu deixei que ele saísse do quarto, e cumprisse com o que tinha dito.
No dia seguinte, a tal princesa tinha sido dado como morta. Assassinato.
Infelizmente, as coisas não correram bem daí para a frente. As pessoas começaram a acusar-me de a ter matado, já que me tinham visto no reino do príncipe no dia da sua morte. Não tinha como negar, e as pessoas começaram falando que queriam executar a rainha em praça pública. Iriam cortar minha cabeça... Eu não deixei que fizessem tal coisa comigo. Tranquei-me no castelo, mas pelo que soube, os habitantes do meu reino, guardas do reino do príncipe e da princesa, queriam vir me pegar á força. Foi então que meu irmão surgiu, com um vestido idêntico ao meu, uma peruca e uma lente de contato verde.
"O que pensa fazer com isso?", eu questionei, como se já não soubesse o que viria depois.
"Somos gêmeos idênticos, ninguém vai notar a diferença se eu estiver vestido como você. Fuja para longe.", ele falou o seu plano, e eu fiquei ainda mais chocada. Ele ia se sacrificar por mim? De verdade? Não... Eu não podia deixar isso acontecer...
"N-Não, não é certo...! Eu mandei matar ela, eu mereço—", ele não me deixou terminar.
"Eu matei ela, então não tem diferença. Você não merece um final assim. Fuja de uma vez.", eu não sabia o que dizer ou fazer, então a única coisa que acabei fazendo foi seguir as ordens dele. Fugi. No dia seguinte, eles arrombaram o castelo, e levaram Mitsuaki. O trancaram numa cela durante um tempo, enquanto preparavam o palco para a execução. Mesmo que eu nunca tivesse gostado daquele tipo de maneiras de se livrar de alguém, eu não podia ficar quieta sabendo que matariam meu irmão. Eu fui lá nesse dia, da execução. Estava completamente coberta com roupa para não me reconhecerem. Me aproximei o bastante para que meu irmão conseguisse me notar.
"Eu quero que você sorria sempre, não importa o que aconteça, está bem?", as palavras que ele uma vez falou passaram pela minha mente, e então sorri na sua direção. Mitsuaki retribui o sorriso e nessa hora, cortaram-lhe a cabeça. Foi então que lágrimas descontroladas começaram a cair por meus olhos. Tive que sair dali o mais rápido possível.
Acabei fugindo para um sítio perto do mar. A brisa fresca que sentia todos os dias era refrescante, mas meus pensamentos sempre eram tristes. Nunca me esqueci de ver a morte do meu irmão na fila da frente. Nunca me esqueci como os humanos podem ser cruéis, e matarem as pessoas sem dó nem piedade... Ele era inocente, mas eu... Mesmo que ele me tenha dito que ele era quem merecia, por ter matado ela, fui eu quem o mandou fazer isso. Era eu quem eles queriam.
Os anos passaram, e num dia, arrombaram a casa na praia onde eu vivia. Fiquei toda assustada, já que as pessoas que adentraram eram desconhecidas. Me agarraram pelo braço, me ameaçando para lhes dar tudo o que tinha. Eu não tinha grande coisa, já que quando fugi, não levei nada comigo. Eles ficaram com raiva, por alguma razão. Estavam com a cabeça tapada, então não sei quem realmente eram. Eles me levaram para fora de casa, e me puxaram até ao mar.
"O que vão fazer!? Parem! Me soltem!", eu suplicava, mas eles não pareciam querer saber. Senti meus pés ficarem molhados ao tocar a água salgada. Engoli em seco, quando do braço, passaram para minha cabeça, e quando dei conta, estava debaixo de água.
Eles estavam me afogando. Eu tentei me debater, tentei voltar á superfície, mas a água estava entrando cada vez mais nos meus pulmões, e as minhas forças estavam acabando.
"Não quero morrer.", eu pensava, mas por outro lado, sabia que eu merecia tal final. Mamãe morreu no parto, papai adoeceu, e Mitsuaki foi executado por minha culpa. Eu merecia, mas... Não queria morrer.
Só me lembro de ver minimamente o pôr do sol nesse dia, debaixo de água, e lentamente, meus olhos se fechavam, ficando tudo negro, e meus sentidos se irem.
"Odeio humanos", foi meu último pensamento.
Quando acordei, estava no inferno.